FROM PROSPECT
Prospect
Philip Ball
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“Há duas regras de ouro para uma orquestra”, teria dito o maestro Thomas Beecham. “Começar juntos e terminar juntos. O público não dá a mínima para o que acontece no meio.” Beecham era dado a declarações perspicazes e exageradas, mas sua afirmação se adequa à intuição de que nós somos altamente sensíveis às falhas de sincronização nas apresentações musicais. “Eles estavam todos desencontrados”, é a crítica comum aos músicos sem ritmo.
Mas tocar junto e no mesmo tempo está longe de ser um feito trivial. Até músicos de orquestra que observam um maestro precisam prever o ritmo para não perdê-lo, e os pequenos grupos não tem nenhum metrônomo humano para seguir. Fora isso, os grupos, assim como músicos solo, desaceleram e aceleram por motivos de expressão. Quem decide isso quando não há ninguém liderando?
Esta é uma questão que está sendo estudada pelos psicólogos Alan Wing e Satoshi Endo na Universidade de Birmingham, junto com o violoncelista Adrian Bradbury. No festival de Aldeburgh em junho passado, Wing descreveu seus experimentos com o Quarteto Signum, um grupo alemão que também tocou no festival. Signum concordou em ser a cobaia dos estudos de sincronização musical de Wing.
A sincronização a um pulso regular é um tema antigo: o cientista holandês Christiaan Hygens observou no século 17 que dois relógios de pêndulo entram em sincronia se forem colocados juntos, presos na mesma viga de madeira. A sincronia através do estímulo visual basta para que uma árvore inteira cheia de vagalumes entrem no mesmo ritmo. Fazemos isso inconscientemente quando andamos ao lado de outra pessoa – um fato que, ignorado pelos arquitetos, inicialmente deixou a ponte Millennium sobre o rio Tâmisa perigosamente suscetível a grandes ondulações porque as vibrações criavam sincronia entre os passos dos pedestres.
Mas a sincronia consciente das ações humanas pode ser difícil de sustentar: temos uma tendência a entrar e sair do ritmo alternadamente. Há alguns anos, Wing investigou como os remadores na raia de Cambridge remavam juntos, e ele sugere brincando que esses estudos podem ter ajudado nas vitórias anteriores de Oxford. Mas o ato de remar, em que todos os participantes se esforçam para sincronizar uma ação idêntica e bastante regular, pode ser facilmente comparado à música. Num quarteto de cordas, cada músico toca uma parte, e ainda assim todos têm de se mesclar e criar um único pulso rítmico, mas um que satisfaça as demandas elásticas da expressão musical. Quem segue quem?
Para descobrir, Wing acompanhou os movimentos dos músicos de Signum usando a captura de movimentos em vídeo, que reflete a luz infravermelha em refletores presos em seus arcos. Dispositivos eletrônicos nos instrumentos permitiam que ele acompanhasse a relação entre o movimento e o som para cada músico isoladamente e observar as correlações entre eles. Um trabalho anterior, principalmente com tecladistas, mostrou que os músicos não mantém um ritmo rígido, mas variam os intervalos entre as batidas em cerca poucos milissegundos. Algumas dessas variações são aleatórias, mas outras são intencionais e se repetem entre uma apresentação e outra. Essas variações não só transmitem a emoção, mas também, paradoxalmente, ajudam o ouvinte a discernir o pulso da música, exagerando os padrões rítmicos.
Nos quartetos de cordas, o músico que faz a melodia – normalmente o primeiro violino – costuma ser o líder. Mas será que as microscópicas variações de ritmo do violinista confirmam isso – será que os outros músicos, por exemplo, entram no ritmo um pouco atrás do primeiro violinista? É isso que sugere os resultados de Wing. Ao usar modelos matemáticas análogos aos usadas para estudar mudanças periódicas no clima e nas populações animais, ele analisou os ritmos de cada músico durante uma passagem de Haydn para descobrir se o ritmo de um músico dependia do ritmo de outro. Parece que o violoncelo e a viola formam uma “sessão rítmica” coesa, como o baixo e a bateria numa banda de rock, que respondem ao que o primeiro violino faz, mas que por sua vez não o afetam.
Ciente da citação de Beecham, Wing também se perguntou como os grupos começam ao mesmo tempo. O músico líder de um quarteto costuma fazer um movimento exagerado com o arco ou a cabeça para sinalizar o primeiro tempo, mas a que exatamente os outros músicos respondem? Wing criou um avatar virtual do primeiro violinista, no qual ele podia retirar a cabeça ou um braço para ver o quanto eles influenciavam os outros músicos enquanto eles observavam a tela. Como sugere a intuição, a cabeça e o braço direito (do arco) são essenciais, enquanto o braço esquerdo não importava muito. E o ritmo adotado pelos outros músicos parece ser adotado pela aceleração desses gestos iniciais.
De certa forma, este é um exemplo extremo do tipo de liderança velada que vem sendo estudado em comunidades de animais, por exemplo na questão de como apenas poucas abelhas com informações privilegiadas sobre a localização de um bom local para uma colmeia podem induzir o resto do enxame a segui-las. É possível, então, que as ramificações desses estudos se estendam para além da relação entre os músicos, para a relação entre dançarinos e acrobatas, e até para atividades sociais e coesivas em grupo presentes na agricultura e na indústria – nas quais alguns acreditam que a música teve sua origem.
(Philip Ball é autor de “The Music Instinct”.)
Tradução: Eloise De Vylder
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Philip Ball
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“Há duas regras de ouro para uma orquestra”, teria dito o maestro Thomas Beecham. “Começar juntos e terminar juntos. O público não dá a mínima para o que acontece no meio.” Beecham era dado a declarações perspicazes e exageradas, mas sua afirmação se adequa à intuição de que nós somos altamente sensíveis às falhas de sincronização nas apresentações musicais. “Eles estavam todos desencontrados”, é a crítica comum aos músicos sem ritmo.
Mas tocar junto e no mesmo tempo está longe de ser um feito trivial. Até músicos de orquestra que observam um maestro precisam prever o ritmo para não perdê-lo, e os pequenos grupos não tem nenhum metrônomo humano para seguir. Fora isso, os grupos, assim como músicos solo, desaceleram e aceleram por motivos de expressão. Quem decide isso quando não há ninguém liderando?
Esta é uma questão que está sendo estudada pelos psicólogos Alan Wing e Satoshi Endo na Universidade de Birmingham, junto com o violoncelista Adrian Bradbury. No festival de Aldeburgh em junho passado, Wing descreveu seus experimentos com o Quarteto Signum, um grupo alemão que também tocou no festival. Signum concordou em ser a cobaia dos estudos de sincronização musical de Wing.
A sincronização a um pulso regular é um tema antigo: o cientista holandês Christiaan Hygens observou no século 17 que dois relógios de pêndulo entram em sincronia se forem colocados juntos, presos na mesma viga de madeira. A sincronia através do estímulo visual basta para que uma árvore inteira cheia de vagalumes entrem no mesmo ritmo. Fazemos isso inconscientemente quando andamos ao lado de outra pessoa – um fato que, ignorado pelos arquitetos, inicialmente deixou a ponte Millennium sobre o rio Tâmisa perigosamente suscetível a grandes ondulações porque as vibrações criavam sincronia entre os passos dos pedestres.
Mas a sincronia consciente das ações humanas pode ser difícil de sustentar: temos uma tendência a entrar e sair do ritmo alternadamente. Há alguns anos, Wing investigou como os remadores na raia de Cambridge remavam juntos, e ele sugere brincando que esses estudos podem ter ajudado nas vitórias anteriores de Oxford. Mas o ato de remar, em que todos os participantes se esforçam para sincronizar uma ação idêntica e bastante regular, pode ser facilmente comparado à música. Num quarteto de cordas, cada músico toca uma parte, e ainda assim todos têm de se mesclar e criar um único pulso rítmico, mas um que satisfaça as demandas elásticas da expressão musical. Quem segue quem?
Para descobrir, Wing acompanhou os movimentos dos músicos de Signum usando a captura de movimentos em vídeo, que reflete a luz infravermelha em refletores presos em seus arcos. Dispositivos eletrônicos nos instrumentos permitiam que ele acompanhasse a relação entre o movimento e o som para cada músico isoladamente e observar as correlações entre eles. Um trabalho anterior, principalmente com tecladistas, mostrou que os músicos não mantém um ritmo rígido, mas variam os intervalos entre as batidas em cerca poucos milissegundos. Algumas dessas variações são aleatórias, mas outras são intencionais e se repetem entre uma apresentação e outra. Essas variações não só transmitem a emoção, mas também, paradoxalmente, ajudam o ouvinte a discernir o pulso da música, exagerando os padrões rítmicos.
Nos quartetos de cordas, o músico que faz a melodia – normalmente o primeiro violino – costuma ser o líder. Mas será que as microscópicas variações de ritmo do violinista confirmam isso – será que os outros músicos, por exemplo, entram no ritmo um pouco atrás do primeiro violinista? É isso que sugere os resultados de Wing. Ao usar modelos matemáticas análogos aos usadas para estudar mudanças periódicas no clima e nas populações animais, ele analisou os ritmos de cada músico durante uma passagem de Haydn para descobrir se o ritmo de um músico dependia do ritmo de outro. Parece que o violoncelo e a viola formam uma “sessão rítmica” coesa, como o baixo e a bateria numa banda de rock, que respondem ao que o primeiro violino faz, mas que por sua vez não o afetam.
Ciente da citação de Beecham, Wing também se perguntou como os grupos começam ao mesmo tempo. O músico líder de um quarteto costuma fazer um movimento exagerado com o arco ou a cabeça para sinalizar o primeiro tempo, mas a que exatamente os outros músicos respondem? Wing criou um avatar virtual do primeiro violinista, no qual ele podia retirar a cabeça ou um braço para ver o quanto eles influenciavam os outros músicos enquanto eles observavam a tela. Como sugere a intuição, a cabeça e o braço direito (do arco) são essenciais, enquanto o braço esquerdo não importava muito. E o ritmo adotado pelos outros músicos parece ser adotado pela aceleração desses gestos iniciais.
De certa forma, este é um exemplo extremo do tipo de liderança velada que vem sendo estudado em comunidades de animais, por exemplo na questão de como apenas poucas abelhas com informações privilegiadas sobre a localização de um bom local para uma colmeia podem induzir o resto do enxame a segui-las. É possível, então, que as ramificações desses estudos se estendam para além da relação entre os músicos, para a relação entre dançarinos e acrobatas, e até para atividades sociais e coesivas em grupo presentes na agricultura e na indústria – nas quais alguns acreditam que a música teve sua origem.
(Philip Ball é autor de “The Music Instinct”.)
Tradução: Eloise De Vylder
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